O meu sportinguismo vem da família paterna. O meu avô fez-me sócio em miúdo e levava-me com frequência ao estádio. Tinha lugar cativo na central, com o filho e a filha, os meus tios. Já o meu pai, leão avesso a multidões, preferia f
sofrer em casa.
O meu tio Mário era caçador e levava o filho à caça e ao futebol. Lembro-me que muitas vezes calçavam umas botas alentejanas, pai e filho a fazer pendant, e eu, que sempre fui como a Maria Nabiça ("tudo o que vê, cobiça"), cobiçava-lhes não só as botas, mas - entendo-o hoje - sobretudo a cumplicidade. Não que o meu pai alguma vez me tenha faltado em amor e ajuda, nada disso, mas era mais de estar fechado nas suas "cavernas", e não tanto do estilo compincha que eu via no meu tio e nos pais dos meus amigos (quase todos 10-15 anos mais novos que o meu).
[Parêntesis "isto anda tudo ligado": Por essa altura, na chunguíssima escola da Trafaria, cruzava-me no recreio com o meu colega de catequese Fred com um amigo, e de reparar neste: "tem umas botas iguais à do meu primo". Um par de anos depois, tornámo-nos melhores amigos, e somos há 20 anos companheiros de sofrimento em Alvalade.]
A vida deu muitas voltas. O meu tio morreu novo, e acabaram-se as idas ao Sporting em família. O meu avô ainda viu o Sporting ser campeão, em 2000 (na noite dos festejos, a minha primeira paragem foi em sua casa); quando morreu, no ano seguinte, herdei-lhe uma gravata e um alfinete do Sporting, que nunca usei mas guardo religiosamente. Boa parte dos pais compinchas dos meus amigos desertaram para mulheres mais novas e as relações com os filhos esfriaram. O meu pai, a completar agora três quartos de século, continua igual ao que era: não ficou mais compincha, mas em várias ocasiões mostrou estar atento e deu conselhos certeiros; compreendo-o hoje mais do que antes, e espero ainda ir a tempo de uma aproximação que também o faça compreender-me melhor.
Já crescido, lá comprei umas botas alentejanas na Feira da Golegã, embora raramente as use. Digamos que enfiar no cano a barriga da perna não é fácil (as botas encolheram, só pode!). Mas em dias de jogo, como hoje, num estádio que já é outro, lá as junto à farda verde e cachecol, e assim avivo um pouco as memórias das tardes felizes do clã Tavares na central do velhinho Estádio José de Alvalade.
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