Quadro da nossa sala, oferecido pelo querido amigo João Ribeiro |
Envolto na atmosfera natalícia em torno do Manel, foi quase de surpresa que a Páscoa me bateu à porta. De repente, estava a reviver a Última Ceia e o lava-pés, ontem a acompanhar a morte de Jesus e daqui a umas horas estarei a reacender a luz da Vida que triunfa sobre a morte, na mais bela missa do ano.
Se, no Natal, o Menino ainda consegue espreitar, tímido, dos presépios que resistem, na Páscoa (pelo menos a Sul) o crucificado passa quase despercebido entre o coelhinho e os seus ovos de chocolate. Eu até sou a favor do pretexto para atafulhar os putos em açúcar - estarei para o "anti-glicosismo" como o Miguel Sousa Tavares para o anti-tabagismo - , mas nunca gostei de coelhos, nem na cartola, nem no prato, muito antes de ser um animal politicamente impopular.
A existência do Jesus histórico é aceite por quase todos. O nascimento nas palhinhas e a morte na cruz são factos profusamente documentados e passam no crivo dos mais cépticos. Já a ressurreição ao terceiro dia, apesar dos escritos da época e do sangue dos primeiros cristãos que deram a vida pelo que viram e ouviram, custa mais a entrar, o que é humanamente natural (vd. Tomé).
Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé, já dizia São Paulo. É este o mistério que esta noite revivo e que dá sentido à minha vida. É esta fé na ressurreição (na de Jesus e na minha) que me faz não depender a felicidade da saúde e da sorte, que nunca dominarei por inteiro e que têm prazo de validade. Não são as boas acções dos cristãos que me convencem, embora sejam um precioso testemunho, nem são as más acções dos cristãos que me afastam, embora sejam uma torpe pedra no sapato. Mas não podia ser doutra maneira, porque todos vivemos entre esses dois pólos e o caminho da santidade (isto é, da coerência com o que se acredita) não é fácil (vd. negação de Pedro).
A virtude e o mérito são importantes, e são comuns a crentes e não crentes, mas o que muda tudo é aquilo que vemos ao fundo do horizonte. Quem foi é Jesus para mim? Na Páscoa relembro que o mais importante, a vida eterna, já me foi oferecido pela entrega do Deus-Homem, e peço-Lhe que mo recorde sempre que o sofrimento me tolher a vista.
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